Das poucas pessoas que andam na rua grande parte são idosos que não se limitam ao estritamente necessário. São pessoas que já passaram por muito, têm na sua memória colectiva a pneumónica (1918), a asiática (1957) e a tuberculose que muitos viveram pessoalmente, para já não falar das epidemias mais recentes como o VIH ou a gripe A.
Muitas destas pessoas sofreram de perto com estas doenças que dizimaram famílias inteiras, assistiram à razia provocada na população e a maior parte teve casos de mortes na própria família. Isso devia levá-las a ter mais medo e a acatarem as recomendações adoptando medidas mais preventivas, como seja a de permanecer em casa sempre que não seja absolutamente necessário sair. Então porque saem para a rua? Porque permanecem em grupos, fazem passeios matinais e frequentam os estabelecimentos comerciais abertos mais vezes que o necessário? E no entanto está inequivocamente provado que são os mais vulneráveis, de alto risco e com uma taxa de mortalidade muito superior à restante população mais jovem, o que dá que pensar. Não sendo por falta de informação, será por falta ou falha na comunicação? Talvez não.
Os velhos de agora sentem-se desfasados, fora do contexto. Sentem-se velhos. A maior parte ainda pertence a outra geração, já eram velhos quando apareceu a internet, não têm computadores ou tablets nem smartphones. Muitos foram obrigados a reformar-se precocemente, fruto de políticas de emprego imbecis, descartando-os quando poderiam ser mais úteis, abdicando do seu saber e competências e afastando-os do progresso. E assim foram marginalizados, encheram lares cedo de mais, porque a estrutura familiar se alterou e deixou de ter lugar para eles, ou ficaram confinados às suas casas, com visitas esporádicas dos filhos e netos. Sentem-se tratados como crianças que não são, com excessos de carinhos de circunstância e infantilizados: “então menino Zezinho o que vai ser hoje?”
A sabedoria dos velhos foi suplantada e substituída pelas tecnologias, como se isso fosse possível. Inevitavelmente ficaram à margem, não fazem parte do presente, por isso se revoltam e reivindicam o reconhecimento da sua vontade.
E aqui reside uma das grandes mudanças em curso, mas que o covid-19 vai acelerar, já se adivinhava, mas agora vai ser mais rápida, nada será como dantes. Não, não vamos todos ficar bem, nem nada voltará a ser igual e os velhos vão envelhecer mais depressa, mas estarão em pé de igualdade com os mais novos e vão disputar-lhe as competências. Vão estar de igual para igual, porque tiveram acesso às novas tecnologias e vão combiná-las com todo o saber adquirido. A forma como a sociedade vai olhar para os velhos vai alterar-se definitivamente.
João da Ega