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Manuel Fernandes Vicente manuelvicente@entroncamentoonline.pt

Quando um sistema químico está em equilíbrio, e esse equilíbrio é perturbado por uma causa exterior, o sistema reage à perturbação, e reage sempre de modo a contrariar essa perturbação, de tal modo que o sistema tenderá sempre a atingir de novo um estado de equilíbrio. Este princípio, que tem uma aplicação plena no domínio das reações químicas, ficou conhecido por Princípio de Le Châtelier, o brilhante químico francês que o formulou em 1888.

Na perspetiva pessoal que tenho deste postulado, a sua abrangência ultrapassa largamente a esfera da ciência química, e acredito que mesmo nas ciências sociais as suas determinações são bastante pertinentes. Numa sociedade, mesmo vista globalmente, quando o seu equilíbrio (dinâmico, claro) é afetado por algo que lhe é externo, a sociedade (o sistema) tenderá a mobilizar-se (reagir) de modo a contrariar os efeitos da alteração que a atingiu e afetou. E, julgo, que a mais situações e universos se pode aplicar a lei formulada pelo ilustre químico. Vem esta introdução que entendi apresentar a propósito, inevitavelmente, da nova estirpe do coronavírus e da COVID-19, a temível doença que causa, e que estão a perturbar o país, a Europa e o mundo.

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Sublinhando desde já que à preocupante pandemia que o novo coronavírus causou não se poderá dar qualquer trégua nem baixar as defesas para a combater, devo esclarecer que não sou membro da comunidade de pessimistas militantes que tem dela visões bíblicas e até apocalípticas, vendo aí uma condenação divina e profetizando uma enigmática, mas temível, catástrofe. E aproveitam também o azo para guilhotinarem de uma só vez a sociedade globalizada mundial, que nesta manifestação de um vírus viria a mensagem de uma condenação moral, religiosa e social ao nível do que há de mais sinistro no Antigo Testamento. É pouco sério fazê-lo, sobretudo nesta altura, em que a sociedade humana tem uma missão difícil e um obstáculo sombrio a transpor. E já se iniciaram algumas medidas de contingência e emergência, talvez outras, mais duras e eficazes, ainda venham a ser necessárias. Isolarmo-nos em casa para isolar o vírus e retirar-lhe o caminho para a sua progressão logarítmica em alguns países, foi já uma medida introduzida de reação à (enorme) perturbação que o novo coronavírus (altamente contagioso entre seres humanos). O estabelecimento de quarentenas, o controlo e identificação dos eixos de contaminação, o encerramento das fronteiras e de muitos voos foram outras medidas de reação. Pararmos, isolarmo-nos, entrar quase em letargia… Um novo equilíbrio irá surgir após esta clausura, e é natural que seja um mundo muito diferente, mais pobre e mais estranho. Mas o sistema reagirá e a sociedade atingirá um novo equilíbrio e, quiçá (sou um optimista estrutural, e já sem correção nem emenda), sem muitas das injustiças que a desumanizavam.

Questionado um dia sobre como seria uma eventual III Guerra Mundial, o genial físico Albert Einstein comentou com a sua habitual verve: “Não sei com que armas se combaterá na III Guerra Mundial, mas na quarta sei, será com paus e à pedrada”. Muitos analistas e colunistas têm encontrado na atual pandemia razões para ver também nela um conflito à escala global. Um conflito bizarro, em que é a totalidade da humanidade em confronto com um inimigo invisível, cego e sinistro, que avança como um gigante sem estratégia, mas com um poder mortífero. O planeta está suspenso e atrás de umas trincheiras que não existem para combater um inimigo que não vê. Mas já houve outras pandemias no mundo, e não havia a Ciência, a inteligência, o conhecimento e os meios (médicos, biotecnológicos, informáticos, antropológicos…) que há hoje.

Infelizmente, a origem e a propagação do novo coronavírus parece ser o filme real de um anátema criado há anos e que agora se revela como uma triste profecia para o que está a suceder. Era o hoje popular efeito borboleta, enunciado em 1963 pelo matemático e filósofo norte-americano Edward Lorenz, e que é parte da mais global teoria do caos. A versão mais popular e coreográfica da ideia de Lorenz é mais ou menos esta: “Uma borboleta ao bater as asas em Pequim pode causar um ciclone em Nova Iorque”. A realidade a depender, e muito, das condições que existiram no início… Dada a pertinência da metáfora à realidade que hoje testemunhamos, não deixa de haver razões para pensar nela, mesmo que obscurecidas por uma fauna, que se identifica com médicos e enfermeiros conhecedores, que selam o cavalo do medo e do pânico nas redes sociais, e com ele espalham mais medo e um ambiente sinistro com a triste invenção de inacreditáveis fake news.

É tudo um bocado bizarro. Abandonarmos as ruas para travar as batalhas. Trocar a luta de uma refrega pelo silêncio e pela ausência. Lutar contra um gigante temível, insano e invisível. Afastarmo-nos uns dos outros para estarmos juntos e vencer a guerra (sem faciliar nas medidas). Eu sou pela esperança, e agarro-me aos números que a trazem, como a estabilização das vítimas na China e o facto do Instituto Pasteur de Paris mencionar que só em 20 por cento dos casos o vírus pandémico é maligno! São números e factos que ajudam a digerir esta dieta deprimente. E, a propósito, que saudades que já tenho de uma boa multidão, das confusões da política, das polémicas futebolísticas de fim de semana e até de alguma trapalhada do André Ventura e até da Joacine Katar Moreira!

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