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Manuela Poitout manuelapoitout@entroncamentoonline.pt

Uma hipótese com alguma probabilidade de ser verdadeira: o neurocientista António Rosa Damásio ter tido um avô chefe da estação do Entroncamento

Esta ideia ocorreu-me na primeira vez em que li, num jornal local dos anos trinta, algo sobre um chefe da estação do Entroncamento, de apelido Damásio. Leio muitos jornais antigos, locais e regionais, por razões de trabalho. Entretanto a ideia passou, há tantas pessoas com os mesmos sobrenomes…

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Voltei a encontrar o mesmo senhor, no jornal O Moitense, com sede na vizinha Moita do Norte. Ao tempo, o Entroncamento não tinha imprensa local. Tratava-se de uma notícia de óbito de João Damásio, que parece ter sido pessoa muito considerada e estimada aqui no meio.

A notícia, de janeiro de 1942, é esta:

“Faleceu recentemente, em Lisboa, na residência do seu genro, sr. Antero Gama, inspetor da C.P., o nosso prezado amigo João Damásio, de 84 anos, viúvo, chefe de estação aposentado.

O corpo foi trasladado, pelo caminho de ferro, para Tramagal, onde o falecido residia. O funeral realizou-se para o cemitério daquela localidade. O extinto, que foi possuidor de um coração diamantino, era pai dos nossos queridos amigos srs. António Rosa Damásio, médico na capital, José, João e Manuel Rosa Damásio, funcionários da C.P.”

Por curiosidade, tentei conhecer algo sobre as origens do cientista António Rosa Damásio, mas apenas consegui saber que nasceu em 1944 e estudou em Lisboa. Partindo do pressuposto de que seria neto do chefe de estação João Damásio, já não conhecera este avô. Fui um pouco mais além, através de uma entrevista de Anabela Mota Ribeiro, em que o cientista, ao evocar um episódio de infância, falou no pai médico.  As coincidências de ambos os pais serem médicos, e o filho do antigo chefe se chamar também António Rosa Damásio, fizeram-me pensar que talvez não estivesse muito distante da ideia inicial.

Isto não tem qualquer importância para o Entroncamento, mostra apenas que, como nas antigas rotas das caravanas, o Entroncamento foi, para muita gente, apenas um lugar de passagem, lugar obrigatório, porque de trabalho, mas transitório, e que os seus filhos também por aqui não largaram âncoras, porque não havia condições para isso, nem poderiam voar como muitos voaram.

Que marcas, que recordações, terá deixado uma terra destas, naqueles tempos em que o Entroncamento muito pouco era e pouco tinha, em pessoas que por necessidades da sua vida profissional, para aqui tinham de vir?  Quase nada, por certo, mas por vezes, encontram-se notícias interessantes, mas raras, muito raras mesmo. Cito, como achado único, encontrado por um acaso, quando fazia pesquisas sobre teatro, o de ter trabalhado aqui, nos primeiros tempos do caminho de ferro, direi finais dos anos sessenta ou início de setenta, de oitocentos, um jovem que era telegrafista e aqui ajudou a fundar um grupo de teatro. Pois o jovem tornou-se no grande ator e empresário Afonso Taveira. Encontrei essa informação na obra de Sousa Bastos, Carteira do artista:

“1850 – Nasce o ator Taveira.

Afonso dos Reis Taveira é natural da aldeia de Crestelo, freguesia de Fontes, concelho de Santa Marta de Penaguião, província de Trás-os-Montes.

Dos 15 aos 20 anos foi empregado telegráfico da Companhia dos Caminhos de Ferro.

Quando esteve fazendo serviço na estação do Entroncamento, fundou com outros empregados uma sociedade dramática.

No Porto estreou-se como ator num pequeno papel do drama Lago de Kilarney.

Em 1879 foi pela primeira vez ao Brasil, visitando, com a sua companhia, Pernambuco e Maranhão. Em 1882 entrou para o teatro de D. Maria e em 1883 foi para o Porto, escriturado para o Teatro Baquet. Foi por alguns anos ator e ensaiador da empresa Alves Rente, donde saiu para se associar com José Ricardo e Santinhos, explorando o teatro D. Afonso.”

Não vou maçar os leitores com a continuação do percurso teatral de Taveira, que morreu no teatro da Trindade, quando ensaiava uma peça. Mas acho importante saber-se que o teatro nasceu aqui muito mais cedo do se pensa, e por iniciativa de alguém que veio a ser um grande nome do teatro. Afonso Taveira, alguém que passou, como muitos outros.

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