A Câmara de Constância apenas reagiu ao «movimento de rancho do 25 de Abril» uma semana após o estalar da revolução pró-marxista . Na sua reunião ordinária do dia 2 de Maio é efectivamente aprovado, por unanimidade, antes da ordem do dia, um telegrama a enviar ao presidente da Junta de Salvação Nacional. Reza assim o texto: «A Câmara Municipal Constância sua reunião ordinária hoje deliberou manda cumprimentos respeitosamente VEx.a como também manifestar seu incondicional apoio Movimento das Forças Armadas que tão dignamente soube desempenhar-se missão tão transcendente história Portugal facilitando espectacularmente tarefa sua renovação porque tanto anseava seu povo». Assinam a acta, Aurélio Dias Nogueira, Querido Alves Mendes e Gualdino Alves.
Já o Conselho Municipal, só se reuniu no dia 7 de Maio quase duas semanas depois em sessão extraordinária que, de extraordinário, só tem o atraso face ao dia 25 de Abril. Há, contudo, alguma diferença de conteúdo no telegrama aprovado por unanimidade dos vogais presentes: «(…) foi enviado ao senhor presidente da Junta de Salvação Nacional um telegrama com os seguintes dizeres: Aurélio Nogueira Concelho Constância sua reunião extraordinária hoje realizada deliberam manifestar seus sentimentos profundos solidariedade para com Movimento Forças Armadas que sob égide V Exa tão bem soube desempenhar-se incomparável acção posta em prática a bem do destino de todo o bom povo português ávido das prerrogativas a que tinha direito de há longos anos privado». Assinam a acta Aurélio Dias Nogueira, Acácio Alves Costa, João de Oliveira Pereira, Luís Rosário Lopes, José Gomes Rodrigues Reis.
Verificaram-se as faltas de Celestino Rego Alves, Amadeu Ferreira Lopes, João Mendes da Costa Freire, Ernesto da Costa Ferreira e João da Costa Lento. Francisco Rodrigues Cunha é citado como tendo secretariado a mesa embora nunca tenha assinado a acta.
À semelhança do que se passou por exemplo com o «Jornal de Abrantes», também aqui há uma adesão de circunstância (?) ao «Movimento das Forças Armadas», posição política algo compreensível face ao perigo de guerra civil iminente que se temia em muitos circuitos. Tudo era uma novidade e a cautela pareceria boa amiga. Quem conheceu bem algumas das figuras aqui citadas sabe que as mesmas se identificavam com o regime então vigente. E que alguns nunca mudaram de postura mesmo após a «Revolução». Certo, certo, é que integravam todos o regime de Caetano. Em aparente sã harmonia com os brandos costumes e sem oposição pública que se conheça (?). Pode, contudo, fazer-se esta dedução, de forma objectiva, sem contudo, beliscar as convicções de cada um. Os protagonistas exerciam cargos políticos da confiança do poder central. Era assim. Não existia autonomia local, eleições livres, etc.
Cinco meses depois e por força da legislação revolucionária (DL 236/74) , aparece como «destituído» o Presidente da Câmara, Aurélio Dias Nogueira. Em seu lugar emerge uma figura que o ora cronista também conheceu bem pessoalmente e com quem trabalhou na área da música, na Casa do Povo de Santa Margarida, no caso, Querido Alves Mendes (vereador substituto em 1974). Na acta de 16 de Setembro de 1974 do Conselho Municipal (última deste órgão), consta que estiveram presentes para além de Victor Manuel de Bastos e Silva, chefe da secretaria, os seguintes vogais: Acácio Alves Costa, Celestino Rêgo Alves, João da Graça Porto, Luís do Rosário Lopes, José Gomes Rodrigues dos Reis e Ernesto da Costa Ferreira. Faltaram à reunião: Amadeu Ferreira Lopes, Alexandre Freire Nunes, João Mendes da Costa Freire, João da Costa Lento e Francisco Rodrigues da Cunha. Assuntos do dia? Plano de actividades e base do orçamento para 1975. Várias vezes estive em casa do antigo presidente da Comissão Administrativa Municipal, Querido Mendes, o qual me disse que na altura, em 1974, ninguém quis aceitar o cargo de presidente. Daí ter avançado.
Estas comissões só podia ser compostas por «personalidades independentes ou pertencentes a grupos e correntes políticas que se identifiquem com o Programa do Movimento das Forças Armadas anexo a Lei 3/74». É o que rege o diploma já anteriormente citado. Quanto a esta comissão, dado que estava numa situação transitória, decidiram não fazer qualquer alusão às actividades do relatório anterior da edilidade, registando-se em acta que se aguardava pela tomada de posse da nova comissão administrativa. Uma vez que há actores políticos que se mantém na confiança do MFA e da Junta de Salvação Nacional aos quais sempre ouvi fortes críticas ao 25 de Abril (casos, por exemplo, dos meus primos Acácio Costa e João Porto), estou em crer que faziam «jogo de cintura» para assegurar alguma representatividade na comissão… e conhecimento do evoluir da situação. Falamos de personalidades locais, várias, com negócios ou influência social e económica.
O 25 de Abril apanhou o presente articulista em plena sala de aulas da escola primária. Logo de manhã foram suspensas as actividades. Um comando militar terá dado ordens para ficarmos retidos no edifício até nos virem buscar. O meu pai estava de serviço no Batalhão de Engenharia, no Campo Militar de Santa Margarida, como Sargento da Guarda e, nessa madrugada, teve de substituir o sentinela que tinha fugido. A minha mãe veio então à escola e fomos para Abrantes, ao Convento de São Domingos e ao Antigo Liceu junto ao castelo, para trazermos os nosso irmãos que estudavam então na cidade. Passei o dia 25 de Abril na vila de Constância e em Abrantes. Não vimos muita gente nas ruas. Já em casa, colámo-nos ao rádio antigo com uma antena muito comprida. O ambiente era de grande expectativa e de incerteza. Algum tempo após o 25 de Abril, no Batalhão de Engenharia, aconteceu um episódio que me relatou o meu pai e de que tenho alguns registos. O comandante do dito batalhão influenciado pela mulher (eram afectos ao PCP), terá incitado as praças a uma intervenção armada. O que valeu na altura foi a intervenção do meu pai e de outro graduado os quais conseguiram demover as praças dessa aventura. Foi o que sempre ouvi. Aproximava-se a situação de disponibilidade dos soldados e lá foram demovidos. Mas o perigo real de lhes serem distribuídas armas aconteceu e foi muito sério. É esse o testemunho que recebi. Havia uma sala cheia de armas e munições aprontadas. Evitou-se um banho de sangue, foi o que me transmitiram sempre.
Tudo na vida tem um preço. Há vinganças que nos perseguem até ao limite duma carreira. O não alinhamento com a «intentona» terá tido repercussões… Quando se ouve falar disto toda a vida, não se pode ficar indiferente. Quem tem medo da verdade?
José Luz (Constância)
PS – Não uso o AOLP. A foto é relativa ao período da eleição para a Constituinte, creio.