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Raul Pires raul.pires@entroncamentoonline.pt

Era já noite. Sentado à mesa de jantar, ouvi dizer: ”Marcelo confirma presença nas celebrações do 25 de Abril que vão contar com 130 pessoas”. Era a televisão. Bonito! Pensei cá para mim. Mesmo em estado de confinamento, celebra-se a liberdade. Isso é importante, mas que liberdade se celebra? Um conceito abstracto? Uma ideia confusa? Não me parece. A liberdade é uma dimensão das nossas vidas que é necessário acautelar. Mas, como é característico do pensamento humano, para melhor compreendermos os conceitos, dividimo-los nas suas várias componentes. Destaco duas que me parecem marcantes: a liberdade exterior (liberdade de expressão e de imprensa, liberdade de pensamento e liberdade de religião), e liberdade interior (ausência de coacção no querer e no agir). Estão ambas imbrincadas, mas a segunda confunde-se com a verdadeira essência da dignidade humana.

Ser mais ou menos livre tem a ver com o ser mais ou menos educado e formado. É livre aquele que se domina e que consegue querer, desejar e fazer o bem. É livre aquele que cumpre a lei moral, a razão das coisas; que vence o próprio egoísmo, egocentrismo e está mais ao serviço do outro do que dele próprio, sabendo que somos mais o “outro” do que nós próprios. Para que sejamos livres no querer (vontade) e agir (comportamento) é imprescindível que não sejamos restringidos nem limitados por obstáculos externos. Basta sofrermos as restrições e as limitações internas a que todo o ser humano está sujeito. Daí a importância do 25 de Abril.

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Mas, dada a actual crise pandémica, a decisão de comemorar o dia da liberdade, tal como foi anunciado, é uma decisão não-livre, egoísta, ilógica, imoral, e irresponsável. Não é livre porque o decisor não foi capaz de se autodeterminar face à situação existente no país. Estamos confinados porque o vírus que nos afecta é transmitido pelas pessoas e, como tal, quanto mais separados estivermos melhor para todos. É um caso de saúde pública. Mas, atenção! Este confinamento não é para todos. Há celebridades públicas que se podem juntar, talvez porque têm a protecção de São Bento. Onde está a lógica disto?

É imoral. A Moral não é coisa vã. Os comportamentos humanos devem subordinar-se aos princípios reconhecidos por todos como bons e aconselhados na sua execução porque são tidos como úteis e valiosos. Os hábitos, costumes e tradições que dão forma a uma comunidade/sociedade devem ser respeitados. Não é o caso. Enquanto umas celebridades vão comemorar a liberdade (ainda que o tema seja importante), outros, cidadãos/eleitores, estão confinados e nem sequer se podem despedir dos seus entes queridos como é hábito e tradição. Podem ser contagiados e podem contagiar outros, mas, o mesmo vírus não entrará em São Bento. As celebridades estão protegidas…

É irresponsável. Se no domínio legal a prática de comportamentos criminais é reprovada e condenada, também no domínio ético toda a decisão ou comportamento que aponte contra a ética o deverá ser. A responsabilidade é um padrão ético que obriga a responder pelos actos ou coisas que sejam confiadas ao responsável. Havendo uma ligação política que os une, será responsável e justo que alguém comemore, se divirta, enquanto outros vivem angustiados, sem saber como alimentar os seus filhos? Dá que pensar. Haja inteligência e responsabilidade.

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