É enorme a balbúrdia, a azáfama que gira à volta da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa. Religiosos, políticos, arquitetos, engenheiros, operários, voluntários e peregrinos; todos a dar o seu melhor para receberam condignamente o Papa. Coisa linda de ver-se!
Todo o evento católico, por muitos milhões que custe a sua organização, será sempre bem visto aos olhos dos crentes e fiéis. É uma verdade de La Palice. Acerca dos milhões de euros gastos, dizem os mais inteligentes que o retorno será muito maior e, além disso, é o nome de Portugal que se projeta no mundo. Está justificado. Os críticos sossegam-se e a obra continua.
Na verdade, a realidade é mais complexa. É certo que a Igreja Católica perdeu a influência que exerceu sobre as sociedades durante séculos. Mas, quando ouço um governante afirmar que cumprirá a vontade do Presidente e da Igreja, devo concluir que é falso que vivemos num Estado laico. Esta atitude fere a Constituição da República Portuguesa e subverte a mensagem de Jesus Cristo. Um dos ensinamentos que Cristo nos trouxe não foi a separação do político e do religioso? Claro que foi. Então!
Não estaremos a assistir a uma inversão radical dos valores evangélicos? A mensagem de liberdade, de humildade, de pobreza, de simplicidade que Jesus Cristo nos ensinou é rejeitada em nome da opulência, da sumptuosidade, da riqueza e do poder da Igreja. Quando um dos dirigentes da instituição eclesiástica afirma: “… o nosso papel é pedir”, que pensar?
Estudo Filosofia e História das Religiões há cerca de quarenta anos. Para mim, a descoberta do Novo Testamento, nomeadamente o Evangelho de São João foi um deslumbramento que me alertou para a modernidade, profundidade e humanidade da mensagem de Jesus Cristo. Foi uma surpresa para mim, verificar que os ensinamentos éticos revelados por Cristo chegaram até nós, não pelas portas da Igreja, mas pelos pensadores humanistas do Renascimento e pelos Filósofos das Luzes. Foram os humanistas que ressuscitaram os ensinamentos de Cristo acerca da dignidade humana e da liberdade de consciência, valores que a instituição eclesiástica tentou crucificar por meio da prática inquisitorial.
Estarei a exagerar? Não creio. A título de exemplo, tenhamos presente a atitude defensiva e intransigente do Papa Pio IX que condenou a liberdade de consciência e de culto, os direitos do homem, separação da Igreja e do Estado, liberdade de expressão (…), chegando mesmo a dizer que fora da Igreja não há salvação.
Se tivermos em conta o encontro de Jesus Cristo com a samaritana, tal como nos é relatado no Quarto Evangelho, atribuído ao Apóstolo São João, concluímos que é exatamente o contrário.
As palavras que Jesus dirige à samaritana vêm relativizar a noção de espaço sagrado.
– A partir de agora – Jesus explica- já não é nesta montanha ou no Templo de Jerusalém que vais adorar Deus, mas sim em espírito e em verdade…
Cristo dessacraliza o Templo e ensina que o verdadeiro Templo passa a ser o coração, isto é, a interioridade do ser humano. É esta mensagem revolucionária que a Igreja não ousa dizer. O que é, então, amar e adorar em espírito e em verdade?