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Raul Pires raul.pires@entroncamentoonline.pt

Há quarenta e seis anos que andamos nisto. Recordo, ainda, a azáfama dos primeiros tempos. Como aluno finalista do Liceu de Bragança e militante da UEC (União dos Estudantes Comunistas), sentia, nesses tempos iniciais, esperança e alegria. Esperança num futuro promissor e alegria porque política era alegria e dava alegria. O regime democrático trouxe-nos a liberdade e permitia o convívio social, o que possibilitava uma sociedade pluralista e tornava possível resolver os conflitos pelo diálogo e pela justiça. Pois! A democracia é um lugar do consenso e do descenso.

Porém, a ânsia de protagonismo dos que se julgavam iluminados, a repartição injusta das mordomias e, acima de tudo, a incoerência entre o que se dizia e o que se fazia, depressa me sugeriram outros caminhos. A democracia permite caminhos distintos. Mas, há dois que marcaram a democracia ao longo destes quarenta e seis anos: direita/esquerda. A direita polariza soluções baseadas na propriedade privada, na menor intervenção do Estado na vida das pessoas, na ordem e na conformidade. Enquanto a esquerda polariza as soluções dum maior domínio do Estado (daí a febre pelas nacionalizações), da liberdade, da igualdade e de um maior Estado social.

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Esta bipolarização teve sentido em tempos passados. Hoje, é um erro. A atual realidade é complexa, comporta direita e esquerda, esquerda e direita, suscitando um pensamento holístico acerca dos problemas que nos afetam. No último dia do debate do Orçamento, na Assembleia da República, partidos ditos de “direita” apoiaram uma proposta apresentada por um partido de “esquerda”, o que acabou por causar uma “trapalhada”, segundo se disse.

O sistema político que nos conduziu a uma dívida pública colossal e a uma carga fiscal que massacra aqueles que mais trabalham, encontra-se cada vez mais divorciado do regime político; se não entender a realidade atual, se continuar a procurar soluções, ora na esquerda ora na direita, ambas divorciadas entre si, então, não se enganarão aqueles que dizem que há muitos portugueses que irão engrossar as fileiras dos partidos mais radicais. As soluções justas, isto é, a igualdade e equidade estão muito para além da simples dicotomia direita/esquerda.

Há um partido que ainda não entendeu que o capital entendido na época de Marx nada tem a ver com o capital dos nossos dias. As multinacionais marcam os fluxos financeiros internacionais. O próprio conceito de “trabalho” é entendido doutra maneira: o saber constitui um fator de diferenciação no trabalho. O trabalho qualificado e criativo não se compara ao trabalho, à fábrica, à terra e ao próprio capital da época de Marx.  Com a intensificação da globalização a partir da queda do muro de Berlim (1989), o papel do poder político é de compreender o internacional e criar condições estruturais para que possamos competir à escala global.

Em vez de se tratarem destes assuntos, há um partido que só porque a lei positiva lhe permite, desafia a própria democracia com a realização de congresso em época de confinamento, violando valores tão essenciais à democracia como é o caso do respeito para com os cidadãos que não podem (coercivamente) sair de suas casas. Tal comportamento, embora lícito, é, porém, ilegítimo. Legalidade e legitimidade são coisas diferentes. Uma desconsideração para quem tem de cumprir o Estado de Emergência.

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