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Mário Balsa
mario.balsa@entroncamentoonline.pt
  1. Começaram esta semana as aulas e também as negociações entre o Ministério da Educação e os sindicatos dos professores. Mas afinal o que tem de ser negociado neste início de ano? O que está mal na escola?
  2. Perante a equação complexa de construir o futuro coletivo, muitos profissionais continuam a procurar contrariar o fatal resultado anunciado com profunda convicção. Uma dedicação que evita fechar empresas, paralisar o tecido produtivo, congelar a economia.
  3. E arrancou mais um ano, nem poderia ser de outra forma. As famílias voltaram a confiar o futuro de milhares de crianças nas mãos dos professores. Mesmo com a mais que falada falta de recursos. Centenas de profissionais iniciaram a grande migração anual para bem longe das suas vidas.
  4. Nas últimas semanas foi preciso arrendar casa, contratar água, luz, gás e fazer o reconhecimento do que rodeará nos próximos 12 meses. Tudo isto com o foco de ao fim do dia ligar para casa. Falar com o cônjuge, com os filhos ou com os pais que ficaram lá atrás.
  5. Hoje, tendo em conta a desvalorização dos salários, a subida das rendas e o aumento generalizado de preços, torna-se difícil arrendar mais do que um simples quarto para o início de cada uma destas etapas. O espaço onde se dorme passa a ser o mesmo onde se come, onde se preparam aulas e materiais. Quatro paredes que contêm toda a vida do docente incluindo os seus horizontes e sonhos – como diz Fernando Pessoa, “Sou do tamanho do que vejo”.
  6. Muitos têm apontado o dedo ao modelo de contratação e colocação de professores como o principal desincentivo para que as novas gerações escolham a carreira docente (uma parte importante da negociação que agora ocorre). Arrisco que será muito importante, que tem de ser alterado, mas não será só por aqui o caminho.
  7. Um professor passa uma parte muito significativa da vida ativa como contratado, com um ordenado líquido de cerca de 1100€ e sem perspetivas de ingresso e progressão no curto ou médio prazo. Tendo em conta o custo de vida atual, um ordenado muito baixo para alguém com elevadas qualificações, a quem é pedido que dê futuro ao país e cuide das gerações mais novas enquanto carrega a casa às costas. É necessária uma atualização digna e progressiva para os escalões mais baixos.
  8. Em 2017, um aluno que entrasse para a faculdade com o objetivo de vir a ser professor estudaria 5 anos, em 2022 faria o seu primeiro concurso nacional, teria de esperar em média 12 anos para efetivar e só por volta do ano 2035, aos 40 anos poderia estabilizar e constituir família.
  9. Tudo isto para escolher uma profissão com um reconhecimento social decrescente e com desafios pedagógicos de dimensão imensurável fruto de uma sociedade que exige aos professores a capacidade de antecipar o futuro e preparar os alunos para o que ainda não existe nem se conhece. É preciso dizer a quem gostaria de ser professor que até pode vir a fazer vida longe de onde nasceu, mas que escolheu uma profissão de futuro.
  10. Esta realidade, com exceção do modelo centralizado de colocação de professores é transversal às sociedades desenvolvidas. Todas estão a apresentar défices de candidatos a professores.
  11. Talvez por tudo isto o Sr. Ministro da Educação, João Costa, afirme com razão que não se trata de um problema só português. A falta de interesse pela educação é um desafio comum à generalidade dos países desenvolvidos e que tem a sua raiz em algo bem mais profundo do que só o lugar onde se constrói a vida ou o vencimento que se tem. Assenta numa sociedade individualista e instantânea que dificilmente projeta para além do aqui e agora.
  12. Certo é que a receita que nos trouxe até aqui continua a ser a fórmula que temos. Mesmo nestas condições os resultados globais dos alunos são bons, o Rolls-Royce dos modelos educacionais segundo afirma a Organização das Nações Unidas para a Educação. Um comboio a vapor que presta um serviço de alta velocidade. Deixando de lado a beleza da viagem para se focar no destino e sem a consciência que muito embora estejamos a chegar a horas à estação não fazemos a manutenção à locomotiva há demasiado tempo.
  13. Com a abertura de negociações entre o ministério e os sindicatos, resta a esperança que este seja o momento histórico em que todos (Professores, tutela e sindicatos) ganhem consciência que o respeito e o reconhecimento pela docência têm obrigatoriamente de fazer parte da nossa viagem conjunta.
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