PUB
Mário Balsa
mario.balsa@entroncamentoonline.pt

O Séc. XX, no rescaldo das 1ª e 2ª Guerras Mundiais, de uma pandemia e de uma crise económica sem precedentes, trouxe-nos um mundo bicéfalo. Dividido entre dois modelos económicos distintos – Comunismo e Liberalismo.

A Europa completamente destruída, a Espada de Dâmocles (Guerra Nuclear) a pairar sobre a humanidade – Guerra Fria e finalmente a ascensão dos EUA à liderança hegemónica da política mundial, após a queda da URSS, permitiram à humanidade viver os períodos de maior paz e avanços civilizacionais de que há memória.

PUB

Com algumas diferenças pontuais, parece que estamos a reviver o início do Séc. XX – Crise económica, Pandemia e Guerra. Ainda não é global, esperamos que não venha a ser, mas…

Neste novo contexto, a China procura substituir a URSS e a par com os EUA traçar o rumo global para as próximas décadas. Estados Unidos na sombra da Ucrânia, China na da Rússia. Uma nova cortina que divide e arregimenta em ambos os lados as peças que jogarão a partida de xadrez da vida da humanidade. Os mais recentes intervenientes são Israel e Irão, protagonistas regionais, atores num palco profundamente instável.

Aquilo que começou como uma ação militar especial contra o “perigo Nazi Ucraniano” vai ganhando contornos globais com as tenções em Taiwan, Medio Oriente, Península Coreana e o descontentamento dos povos europeus em relação às consequências do conflito caseiro – Inflação, pobreza, instabilidade social.

Tenhamos noção de alguns dados dos principais protagonistas:

  • União Europeia (Geografia que inclui o Reino Unido –  sim, ainda não me conformei com a ideia peregrina da saída) 
    • Área – 4,2 milhões de Km2
    • Habitantes – 505 milhões
    • Economia – PIB 20,3 biliões de Dólares
    • Potência Nuclear – Sim (França/ Reino Unido)
  • Estados Unidos (EUA)
    • Área – 9,3 milhões de Km2
    • Habitantes – 330 milhões
    • Economia – PIB 22,6 biliões de Dólares
    • Potência Nuclear – Sim
  • Rússia
    • Área – 17 milhões de Km2
    • Habitantes – 142 milhões
    • Economia – 1,3 biliões de Dólares
    • Potência Nuclear – Sim
  • China
    • Área – 9,5 milhões de Km2
    • Habitantes – 1300 milhões
    • Economia – 29,3 biliões de Dólares
    • Potência Nuclear – Sim

Com estes dados percebe-se que neste início de Século existiam três potências relativamente equilibradas na preponderância global – UE, EUA e China. Com a saída do Reino Unido da União Europeia o “gigante adormecido” perdeu força, mas continua vivo. Com a guerra e a instabilidade governativa que se vai vivendo (ascensão de movimentos nacionalistas/ autocráticos em países como Itália, França, alguns países de leste e mesmo em Portugal) reduzimos ainda mais a capacidade operativa e a influência no tabuleiro global que a União tem.

A verdade é que nenhum país da Europa tem capacidade para competir neste jogo sozinho. Algo que interessa tanto aos EUA como à China e por maioria de razão ao seu principal peão – a Rússia.

Chegamos então ao princípio disto tudo, o que realmente se pretende com a guerra na Ucrânia? Estarão os regimes autocráticos a destabilizar objetivamente as democracias? Claro que a Rússia tem interesse em anexar parte ou até a totalidade do território ucraniano, não tem população nem preponderância económica para competir com os restantes blocos e a Ucrânia é um território fundamental para crescer. Mas os interesses nesta guerra são muito maiores que os simples interesses russos. A manutenção do poder americano e a ascensão do poder chinês estão sempre presentes.

Um conflito latente, cada vez menos na sombra e que na melhor das hipóteses será a reedição da guerra fria.

Este conflito é o choque entre duas visões do mundo, a democrática por oposição à autocrática – o foco é o poder e os meios são o domínio dos recursos energéticos com ausência de humanismo. E nesta guerra, onde nos queremos nós situar?

Mário Balsa
mario.balsa@entroncamentoonline.pt

Parte II | A coragem ou o aparelhismo?

A democracia encerra em si os valores da compreensão, tolerância e aceitação da visão do próximo na procura de soluções para os problemas comuns. A autocracia aplica a visão de quem detém o poder, subjuga opiniões ao caminho escolhido pelo poder instituído.

Naturalmente o autocrata, alguém que não tem de dar resposta à comunidade e muito menos é condicionável por esta, consegue avançar depressa, mesmo que imbuído da “profunda sabedoria” dos que pela falta de mundividência decidem o que é de todos com base no achismo. A comunicação social não tem liberdade para informar, deixando a sensação de que não existem problemas. A justiça está enquadrada pelo poder político que protege quando necessário.

A democracia, por sua vez, pode ser mais lenta. O decisor segue regras objetivas que balizam as suas decisões e existe uma comunicação social livre que não se coíbe de denunciar abusos de quem gere a coisa pública, sem receio de represálias. A justiça trata todos, independentemente da posição social, da mesma forma.

Perante este cenário, tornar-se-ia aparentemente fácil escolher de que lado estar. Uma maioria muito significativa dos cidadãos que vivem em democracia continua a escolher viver neste regime político. No entanto, conforme referido no título do artigo, as democracias vivem momentos de perda para o autoritarismo, porquê?

Existem razões políticas e sociais variadas. A principal é a confusão que muitos eleitores e principalmente eleitos fazem entre respeito e fraqueza ou autoridade e autoritarismo. Uma democracia saudável implica necessariamente autoridade e respeito e tem como objetivo debelar a fraqueza e combater o autoritarismo.

Nos dias de hoje, com as redes sociais, qualquer pessoa (incluindo quem está envolvido politicamente) pode inventar factos e os difundir rapidamente como verdade absoluta, corroendo a sensação de confiança nos indivíduos visados e na democracia como sistema, mesmo sem provas ou razão. O julgamento na praça pública tornasse a arma dos incapazes. A consequência é a ascensão de soluções aparentemente fáceis, mas que encerram em si um regresso a tempos em que a distância no tempo apagou a memória real.

A justiça tem de ser rápida, eficaz e evitar a sensação de impunidade. Qualquer regime democrático em que as forças de segurança sejam constantemente desvalorizadas e os tribunais não apliquem as sansões previstas para os crimes cometidos acaba por ruir. Só a justiça consegue garantir a máxima “a minha liberdade termina onde começa a do próximo”.

A captura do que é património de todos por oligarquias, a imposição ao coletivo de agendas setoriais contrárias à vontade da maioria e a utilização fraudulenta dos recursos do país por indivíduos ou grupos sem a sansão apropriada enfraquecem os sistemas e provocam o descrédito nos cidadãos.

Tal como instalar num PC (o computador mais democrático) o programa da Apple (reconhecido como excelente) torna os dois inúteis, por mais meritórias e democráticas do ponto de vista teórico que as políticas implementadas sejam, sem o reconhecimento generalizado da população e fiscalização eficaz, serão a corrosão dos pilares em que assenta o regime democrático.

Os partidos têm o dever de indicar aqueles que têm a coragem, a capacidade de resolver problemas e o respeito em detrimento das lógicas aparelhísticas puras e estéreis. O sistema político democrático tem nos partidos a sua base, ninguém é indispensável nenhum indivíduo é providencial e é competência do coletivo escolher de entre si aqueles que considera serem os mais bem preparados e merecedores de levar a sufrágio da população ou de exercer determinado cargo.

A contabilização da abstenção para fins eleitorais, como mecanismo de valorização da democracia e do sistema eleitoral deve ser implementada? Se os candidatos apresentados pelos partidos não reúnem a capacidade para que mais de 50% dos cidadãos se desloquem às urnas devem as eleições ser repetidas, mudando os protagonistas? Deve o voto ser obrigatório? Devem os eleitos ter índices remuneratórios condizentes com os gestores privados para se conseguir atrair os melhores para o exercício da administração pública?

Muitos são os problemas internos das democracias, mas nenhum é tão profundo que seja opção abdicar da liberdade individual. Basta ver o que se passa em países como o Irão, ou o caminho que o próprio regime Russo está a tomar, para levar a que cada um de nós se pergunte se quer viver sob a batuta de um regime autoritário.

Não entendo nada de ginástica, de cutelaria e cada vez menos de Política, mas sei que gosto de pessoas!

 

PUB