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Manuel Fernandes Vicente manuelvicente@entroncamentoonline.pt

Em Portugal, os nossos legisladores educativos, que cada vez mais acredito serem seres extraterrestres na melhor das hipóteses ou alguém a quem foi extirpado o mais ténue resíduo de bom senso na mediana, prosseguem a saga de destituir da educação qualquer sinal que esteja minimamente relacionado com conhecimento, ciência, saber, ter-se espírito critico, pugne pela originalidade ou tenha algum sentido de responsabilidade e respeito. Infelizmente, os disparates e as visões lunáticas desta casta de alienados construtivistas e servidores cegos de ideologias obsoletas (para não ser mais contundente na adjetivação) prosseguem na sua gesta entusiasta, mas insana. E o pântano onde apalhaçam o sistema educativo português parece não ter fundo, para glória da ignorância, sufoco dos professores que nas escolas, como num naufrágio, procuram ainda salvar o que é salvável, e danos possivelmente irreversíveis dos alunos, naturalmente das suas famílias e, inevitavelmente, do país. Claro que estes iluminados que tiveram um dia uma aparição têm a coadjuvância fiel de outros crentes da aparição, a começar pela ínclita geração dos comissários educativos. Reprovar um aluno, argumentam, não serve de nada  ̶  e isso é uma verdade incontornável. Mas transitar de ano um jovem que ao longo do ano não quis adquirir as bases essenciais para evoluir, depois de se lhe darem mil oportunidades para o fazer, evidenciando-se cumulativamente como indolente, indisciplinando e perturbando muitas vezes a aprendizagem dos seus colegas, é pedagógica e socialmente insustentável. Em última análise, esta pseudopedagogia do país da Alice vai fomentar a ideia de que o esforço, o sacrifício e a procura de se ir mais além não valem a pena. Pelo menos, o sistema assim o sugere, valida e sanciona. Ninguém ganhará nesta crapulice, e os próprios “beneficiados”, que transitam de ano sem saber “ler, escrever e contar”, serão as principais vítimas da “benesse”, pois as bases necessárias para a assimilação dos seus conhecimentos não estão lá, e a evolução torna-se absolutamente inviável. Serão vítimas desta idiotice e, é triste admiti-lo,  o mundo será muito cruel para eles. O conhecimento é por natureza cumulativo, e o que sucede é que estes jovens vão ser empurrados no seu caminho, além de que nunca aprenderão a ter algum sentido de responsabilidade e de respeito, nem nunca chegará a eles a ideia de que quase tudo o que vale a pena exige muito esforço e persistência.

Há alguns anos estive nos paços do município de Proença-a-Nova, onde num belo e colorido painel numa das paredes surgia representado, entre muitas outras alegorias mais ou menos pitorescas, um episódio lendário que me despertou algum interesse conhecer. O episódio, ali retratado, foi-me contado, como se fosse património intangível local, por um homem já com uma idade respeitável, e cuja narrativa era tão crente que quase o tornava uma realidade histórica. Eram as pessoas de Proença-a-Nova, que então seria uma vila com o nome de Cortiçada, gente visionária, curiosa, capaz e empreendedora. Admiradores há muito da Lua, quiseram um dia chegar até ela. Se era tão bela no céu, vendo-a de longe, como seria se conseguissem até ela chegar? E se a ideia foi do mais lunático dos “corticenses”, o propósito foi logo um projeto coletivo, assumido de imediato por todos os seus habitantes. E mãos à obra, que queremos ir até à Lua. Materiais não faltavam, que a terra era zona de abelhas, mel e muitos cortiços, decerto também de muitos sobreiros que davam a matéria-prima a tantas colmeias que enchiam as colinas. E, cortiço a cortiço, empilhando-os uns sobre os outros, a comunidade começou a construir uma torre que foi crescendo à medida que podiam os braços, os cortiços e a vontade utópica dos seus homens e mulheres. Uns mais acima, outros mais abaixo, iam lançando arriba os cortiços das suas colmeias, até chegarem a quem no topo ia acrescentando altura à torre. Até ela se tornar gigantesca, e quase impossível era medir o seu tamanho. Torre acima, os cortiços continuavam a acumular-se no topo, e já se estava próximo. Cá na base juntava-se todo o material que se encontrava, que subia de imediato. Até ao dia em que só faltava um simples cortiço para se chegar ao destino, estava mesmo quase… Mas agora já não havia um único cortiço em Cortiçada, nem toda a região e por muitas dezenas de quilómetros mais à sua volta…

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Tudo parou à volta da torre. Homens e mulheres ficaram incrédulos e pasmados durante horas a olhar uns para os outros, tinham chegado tão alto, e agora iam ficar sem atingir o seu sonho. Até que alguém num click instantâneo teve a sua inspiração. “Pois é óbvio! Tiramos o cortiço aqui da base, levamo-lo lá para cima e a torre já chegará à Lua”. Assim pensado, e feito… E de imediato a grande torre ruiu por ali baixo, tal como ruiu o sonho dos corticenses. Diz-me o meu interlocutor que ainda hoje quando os de Proença vão até à povoação vizinha (e rival) de Sobreira Formosa, são ironicamente tratados por “cortiçolas”… “Custa ainda ouvir, mas já não ligamos muito a isso…”, observa.

É claro que a história da Cortiçada é apenas uma lenda pintada num painel exposto para recordar. Mas as lendas nunca são apenas lendas, trazem sempre algo que, se resistiu ao tempo, também vale a pena reter e sobre o qual se deve pensar. Sem bases, até uma enorme torre de cortiça ruiu… O que é que podemos então pensar dos utópicos hipócritas do “passa sempre” e sobre o futuro dos nosso alunos em relação aos quais elas, as bases e os alicerces, nem chegaram sequer a ser colocados? É verdade que são os primeiros que o mereciam, mas quem vai levar com todos os cortiços da torre em cima são os pobres alunos que eles não deixaram aprender…

 

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