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Manuel Fernandes Vicente manuelvicente@entroncamentoonline.pt

A apresentação pública no último sábado do livro, do vídeoclip e do hino sobre os fenómenos do Entroncamento, que encheu o novo auditório municipal São João da cidade (para o qual, diga-se de passagem, se espera uma programação cultural à altura das exigências e compatível com a dignidade do espaço) e teve um notável impacto no burgo, merece uma reflexão séria por parte de toda a comunidade. Esquecendo desde já, pela irrelevância, os inefáveis argumentos elaborados com base em preconceitos e estereótipos de todas as comissões liquidatárias que sempre surgiram no Entroncamento para tentar apagar os fenómenos da memória coletiva, a sessão tripla de reapresentação dos fenómenos da urbe, inventados um dia, há mais de 60 anos, pelo jornalista-ferroviário Eduardo O. P. Brito, mostrou a sedução inequívoca que os fenómenos continuam a ter na comunidade local, como se ainda fossem um refúgio das memórias do tempo em que o Entroncamento era uma comunidade pequena, afetuosa e familiar  ̶  e também muito longe de ser imobilista.

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Com as suas estórias de singularidades, bizarrias e extravagâncias, que traziam fantasias, fait-divers e até alguma bonomia sobre o mundo real e difícil do antigo Estado Novo de Salazar, é inegável que os fenómenos, que, longe de serem “cromos de campónios” são sobretudo uma marca de cultura, que é a nossa, tiveram um desempenho notável e adquiriram grande popularidade, conseguindo mesmo atravessar fronteiras, chegando sobretudo até aos Estados Unidos e a França.

Mas terem sido populares e com excelentes provas públicas, tantas que fizeram colar ao Entroncamento a imagem de “terra dos fenómenos”, é uma coisa  ̶   outra, muito distinta, e que envolverá muita inteligência (eventualmente individual, e mais possivelmente coletiva) é encontrar as fórmulas para os transformar num sucesso com consequências reais  ̶ económicas, turísticas, sociais, culturais e de imagem  ̶  , para a comunidade local. Tudo porque, apesar desta visão não estar ao alcance de todos, a partir da marca “fenómenos do Entroncamento” é possível obter produtos e criar eventos e festivais em grande, que criem sinergias e  tragam visibilidade positiva para a cidade e proveitos para os seus promotores, patrocinadores e aos agentes económicos envolvidos.

O que é preciso é transformar o bom desempenho histórico dos fenómenos num sucesso com as marcas contemporâneas. E os sinais do auditório São João repleto do último sábado trazem algum otimismo sobre a matéria. E porquê? Porque qualquer coisa pode ter laivos de elevada qualidade e até ser um filão de excelência, mas se não houver uma rede social a apoiá-la na sua retaguarda e a perceber que essa coisa pode ser útil e ter interesse para a comunidade, nunca haverá sucesso para os produtos que se vierem a criar. É a evidência de um interesse coletivo que poderá permitir transformar o manto da fama e da popularidade de um produto (que os fenómenos locais têm) num caso de êxito e com consequências felizes.

Mas, se o interesse manifesto de uma comunidade por algo de genuinamente seu é uma condição essencial e necessária para a sua prosperidade, a verdade é que é preciso algo mais para se chegar mais longe. Sobretudo muito talento, alguma imaginação e a capacidade persistente de desvendar e encontrar produtos originais  ̶  tangíveis e intangíveis  ̶  e verdadeiramente surpreendentes a que muita gente queira aderir. E aqui há de haver uma inteligência coletiva a desbravar caminhos, apesar de alguns parecerem mais ou menos óbvios.

E, neste contexto, parecem ser promissores os rumos reservados para as nossas singularidades. O que se passou no sábado sobre o palco do São João mostrou essas condições. Há bastante talento (porque os fenómenos também podem, e devem, ser entendidos como excelências) e aderência das pessoas. Partindo do livro, que aborda de forma sistemática o contexto histórico e a narrativa mais analítica dos fenómenos, não descurando a magia lendária que há neles, até ao excelente vídeoclip e à canção-hino (que se começa a trautear logo à primeira audição, Estranhos, Bizarros e Gigantes”, reveladores da reconhecida vocação musical de Pedro Dyonysyo e dos seus pares, passando pelas muitas pessoas e instituições que se envolveram, e ao compromisso do executivo municipal, através do presidente Jorge Faria, em os apoiar institucionalmente (e espera-se que com algo mais), os fenómenos, depois da era das chávenas de louça e dos copos estampados, entrem pelo menos nas gerações 2.0 ou 3.0. E há muito talento local para os concretizar já, e no futuro  ̶  como, por uma sugestiva circunstância, seria possível verificar na atribuição das muitas dezenas de prémios de mérito, excelência e valor aos alunos do Agrupamento de Escolas Cidade do Entroncamento. Também eles são, à sua maneira, fenómenos, e garantem que talento local não faltará.

Se é verdade que a dimensão comunitária dos fenómenos é fundamental, é também justo destacar o papel de dinamização e de catalisador extraordinário de Paula Carloto de Castro, uma força da natureza  ̶  do tipo ou é ou é  ̶  que, com o ADN herdado do pai António Carloto, os olha como uma missão e tem a rara capacidade de criar à sua volta um ambiente de aderência e de envolvimento inconcebíveis, mas necessários.

 

 

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