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João Lérias
joao.lerias@entroncamentoonline.pt

Com os recentes casos das nomeações de pais e filhas, maridos e mulheres, primos e sei lá que mais, o país parece ter acordado para uma nova realidade que, não sendo nova, desta vez, sobretudo pela sua dimensão, é censurável.

Trata-se sobretudo de questões do plano ético, e portanto parece pouco viável, que se procure encontrar na lei, mudando-a, ou criando de novo, o que no plano ético não se consegue resolver.

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Ouviu-se falar numa alteração ao Código do Procedimento Administrativo, o que é só por si parece uma situação absurda. O CPA é a lei que regula a atuação dos órgãos da administração pública, quando esta, munida de autoridade, e tendo por base princípios como os da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, imparcialidade e da justiça entre outros, se relaciona com os particulares. Visa-se sobretudo regular as tomadas de decisão dos órgãos, e até mesmo quando se estabelecem alguns impedimentos, isso acontece, porque poderão existir sempre terceiros que são afetados nesse procedimento.

Ora no caso das nomeações, nomeadamente as nomeações para gabinetes, na prática trata-se de um ato isolado, que nem tem, nem deve afetar terceiros. Daí, e salvo melhor opinião, só por absurdo, se poderia alterar o Código do Procedimento Administrativo.

Mas se o absurdo existe quanto à alteração da Lei Administrativa, também sucede caso se opte pela criação de uma nova lei, pois será bastante difícil regular tudo o que de mau a ética reprova e que anda por aí. Ainda assim, porque muitos a ignoram, que venha então a Lei. Não para regular o que a ética por si já condena, mas pelo menos, para garantir que aqueles que continuam num registo autista de indiferença, no plano ético, não possam causar mais erosão à nossa democracia.

Sim, é verdade. Para muitos, quiçá até defensores da ética republicana, o que interessa é verdadeiramente o seu umbigo, o seu ego. Para esses, que gastam anos na leitura de propagandas políticas, afinal parece que nunca descobriram em tais leituras quaisquer princípios éticos, e por isso, a lei parece tão urgente, porque para eles se torna necessária.

Já agora que a lei, se vier à luz do dia, seja clarificadora para todos os planos da administração pública, e porquê?

Porque para mim, a falta de ética não existe apenas na nomeação do primo para o seu gabinete governamental, mas existe também, quando eleitos para as Assembleias Municipais, fazem parte integrante dos gabinetes dos presidentes de Câmara. Eticamente é censurável, que quem convive diariamente com o órgão executivo, ajudando na tomada de decisão, faça parte também do órgão, cuja principal missão é apreciar e fiscalizar o órgão no qual trabalha e ajudou na tomada de decisão.

Enfim, a rutura entre políticos e cidadãos é de facto cada vez maior. Os políticos parecem prosperar no tal registo verdadeiramente autista, que só a eles interessa. Os segundos, esses oscilam entre a indiferença e a hostilidade ao mundo em que vivem os primeiros, daí preferirem ficar em casa no dia do voto.

E assim se avança numa perigosa erosão da nossa democracia!

João Lérias

12-04-2019

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