Até meados de 2020, na sua generalidade, os portugueses gostavam de praia, gostavam de “apanhar bons ares”, de “refrescar as ideias” ou de “apanhar um solinho”. Entretanto, este sentimento quase nato de qualquer português, desapareceu!
De repente, o mar deixou de lhes pertencer, os imensos areais deixaram de ser seus! Como é possível?? Foi daqui, deste mar infinito, que tinham partido à conquista do mundo!
Pois é… Devido a um vírus (que é invisível, ainda por cima!), devido à lavagem cerebral feita pelos media que, todos os dias, a todas as horas, foi inibindo os portugueses de poderem desfrutar das macias e brancas areias e do seu mar. As forças de segurança impediam a livre circulação dos portugueses. A praia era uma miragem! E o governo concordava! E o Presidente, entre as muitas coisas que dizia, também aparentava concordar! E agora?
O português, a partir desse momento, percebeu que não gostava apenas de praia…! Afinal estava dependente da praia e não sabia! Tornou-se obcecado!
De repente, de um dia paro o outro, tudo mudou, como se de um milagre se tratasse (não estou a pensar em Marcelo Rebelo de Sousa…)
O impossível tornou-se possível! Com cuidadinho já se podia ir à praia! O vírus está a ser vencido! Não é por acaso que o hino diz que são “heróis do mar”! Os media já diziam, todos os dias, a todas as horas, que se podia ir à praia. As forças de segurança deixavam que se circulasse normalmente! O governo apoiava a medida e o Presidente, entre as muitas coisas que dizia, também aparentava concordar!
Para tudo ficar confirmado, entrevistam banhistas portugueses e de outras nacionalidades e estes dizem que está tudo bem. Há segurança!
Já podem ir a banhos e até é fácil: distância social, máscara e desinfecção das mãos! As praias vão voltar a ser conquistadas!
E foram mesmo! Sabe-se que o forte do português não é o civismo e, então quando pisam a areia, essa palavra desaparece do seu vocabulário. Regressou a malta nova com a sua forma de estar muito peculiar: correm que nem loucos por entre “os distanciamentos sociais” e enchem toda a gente de areia. Depois, jogam à bola, trocando o pobre objecto entre pés bastante aselhas, cujos toques vão normalmente incomodar alguém que está no seu sossego. Depois de várias vezes avisados, lá tentam continuar, mais moderadamente, a trocar a bola entre eles, mas a aselhice persiste… Se calhar, o melhor é ir dar um mergulho!
E lá vão eles, novamente, numa louca correria, enfrentado o todo-poderoso mar! Depois de molharem vários banhistas, lá conseguem o seu mergulho! Rapidamente se levantam, atiram os cabelos para trás, limpam a água que lhes cobre a vista e olham para ver se alguém apreciou a “performance”. Mas, retirando os olhares reprovadores dos banhistas que foram molhados, não vêem nenhuma aprovação. Acabam por perceber que a parvoíce ainda não tem direito a palmas…
E as meninas? Pois as meninas são diferentes! Contrariamente aos rapazes que só pensam na bola, elas pensam nelas próprias!
Escolhem, normalmente, um biquíni que lhes realce as curvas já equivalentes às de uma mulherzinha. Querem parecer mais maduras! E vestem-se assim porque aumenta o seu ego, mostram às suas colegas que já têm corpo de mulherzinhas. Quando, em estilo de desfile, passam pelos rapazes da sua idade, a sedução é relativamente fraca. “Elas só gostam dos mais velhos…” pensam, interrompendo, por um pouco, os toques desastrados na bola.
Mas elas lá continuam os seus passeios à beira-mar, orgulhosas do seu corpo de mulherzinhas, comandado por um cérebro de adolescente…
Quanto às senhoras de meia-idade, na sua maioria, há muito que deixaram as linhas esculturais… Se há as que tentam, de uma forma bastante forçada, esconder as suas formas vestindo um fato-de-banho, muitas delas não têm qualquer problema em se apresentarem de biquíni, mesmo que as suas curvas voluptuosas – a que alguns, de forma desdenhosa, chamam “pneus” – sejam bem visíveis. Para que isso tenha acontecido há sempre o facto do “Já tive filhos, depois nunca ficamos na mesma…” dizem, esquecendo os anos em que andaram a comer entremeadas, fritos, ou bolos carregados de açúcar, entre outras coisas saudáveis… Para seu ainda maior descanso dizem (ou pensam), quando vêem uma jovem elegante “Quando tinha a idade dela, também era assim.”
Claro que não podemos esquecer os homens, sobretudo aqueles que já ultrapassaram os quarenta!
Não são dos que mais gostam da areia e do mar. É frequente vê-los deambular pelas calçadas paralelas ao mar, com um ar perdido. Nitidamente, aquela não é a sua praia… É muito mais importante o convívio com os amigos do que com a areia. Então e a imperial? E um petisquinho? “Antes quero tomar banho por dentro do que por fora!”, dizem com ar de triunfo.
No entanto, muitos têm que ir mesmo para a praia… “Não podes andar sempre na vadiagem! Nem aqui estás comigo?” refilam as suas adoradas esposas. Ou, então, sobre a sua obesidade atiram “Já viste essa barriga?” ou, pior ainda, “Tens é que ir fazer análises para ver como está essa miséria desse fígado!”
Respeitosamente, e para que a tormenta acabe depressa, aceitam as imposições. Claro que vão esperar por uma ocasião que se adivinhe favorável, para se escapulirem e beber um copito, nem que seja de gole!
Os portugueses podem já não ser os conquistadores de mundos desconhecidos, mas as praias de Portugal voltaram a ser suas!
(O autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico)