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João Bianchi Villar joao.bianchi.villar@entroncamentoonline.pt

Há uma apetência humana pelo convencional desde que, pelo menos, o primeiro macho foi à caça e a fêmea ficou em casa a tratar das crias. Saltando de umas para as outras, que foram (e são) aos milhares, chegámos à actualidade repletos de convenções mais ou menos elaboradas como o dinheiro, o vestuário, a diferenciação étnica, racial, religiosa, sexual, social, económica, política, cultural, etc., e ainda alguns hábitos curiosos como a formação das filas no supermercado ou a necessidade de cheirar os outros por intermédio do beijo. Há quem as tenha por indispensáveis, pois qualquer sistema tende para caos, e há quem tente furá-las terminando a viver debaixo da ponte ou internado num asilo psiquiátrico.

A convenção, invertendo o próprio étimo da palavra, há muito que passou de partilha voluntária de liberdades para um sempiterno pretexto para impor obrigações. De entre as eticamente mais inócuas, não esquecendo que a própria ética também é uma convenção, temos a passagem do ano, um ritual catalítico que serve de motivo a divertimentos e a planos para o futuro. Sim, o futuro, essa dimensão que o homo deus está cada vez mais convencido que domina, quando nem sequer é capaz de perceber o presente, ou de aproveitar a lição do passado. Em 1958, Hannah Arendt, ao escrever o seu Condição Humana, livro esgotadíssimo e magistral, inspirou-se no lançamento do Sputnik para o situar como o marco de uma nova história para a humanidade. O homem saia da sua esfera física e lançava-se para o espaço sideral onde, aliás, o seu espírito já andava desde os primórdios do primeiro nascer do sol e da mais primitiva noite estrelada. Já não eram só os outros deuses a poderem ascender aos céus. Todavia, como atrás se disse, continuamos a ter pretensões bombásticas sobre o futuro, quando ainda nem sequer sabemos viver no presente. A expressão bombástica não vem por acaso. Vem de bomba atómica, nuclear, de neutrões, ou até biológica, se quisermos fazer uma incursão mais séria pela realidade.

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Regressando às cavernas, onde esta pequena estória começou, imagine-se aquele casal dos primórdios a criar um sofisticado processo de defesa da sua gruta e onde se assegurava, em caso de invasão, que todos os seus habitantes (e trespassantes) eram esmagados, em prol de ninguém ter o sabor da vitória, e todos ficarem mortos na mesma derrota. É neste clima que se vive. Uns estão profundamente empenhados no evitar uma extinção lenta por conta de uma qualquer pandemia, enquanto outros estão sentadinhos, curiosamente também em cavernas, à espera de ordens para carregar no botão para promoverem a extinção rápida. Tudo no mesmo presente, tudo no mesmo planeta, tudo na mesma realidade. E ainda querem que vos deseje um bom ano novo? Não, meus queridos amigos e amigas, prefiro desejar-vos uma boa sexta-feira. Porque, ao contrário de outros tantos, não faço a mais pequena ideia de como vai ser o nosso dia de amanhã. Beijos e abraços.

(o autor não segue a grafia do novo (des)acordo ortográfico)

 

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