O Entroncamento é uma cidade rasgada de lés a lés pela linha férrea. Foi essa a sua génese, continua a ser essa a sua matriz.
Quem viaja de comboio atravessa a nossa cidade e dá-se conta da paisagem que temos para lhes oferecer. E se, por exemplo, é agradável contemplar os espaços verdes do complexo desportivo do Bonito, é deprimente espreitar a paisagem degradada nas proximidades da estação dos caminhos de ferro.
De facto a rua mais antiga do Entroncamento, a rua Latino Coelho, que parte da estação em direcção a Norte, paralela à linha férrea, é o espelho do triste abandono em que se encontra boa parte do casco histórico do Entroncamento.
É triste porque gostaríamos que quem nos visita fugazmente passando no comboio levasse do Entroncamento uma visão agradável de progresso e desenvolvimento. Mas não é essa a mensagem que oferecemos. Para além de tapumes de obras à espera de melhores dias e de habitações abandonadas e degradadas, há também o património ferroviário do Bairro da Ala Norte que há largos anos perdeu a sua vocação habitacional e hoje se perde na indefinição que o deixa cada dia mais degradado. Quanto ao da Ala Sul foi demolido há vinte anos para se fazer um parque de estacionamento de apoio à estação mas permanece uma estância de ratazanas e ervas daninhas.
E que dizer daquele mamarracho, qual fantasma telúrico regurgitando no fundo do tempo, que nos assombra, também na vizinhança da linha férrea, no local onde durante décadas se situou a sede do saudoso Grupo Desportivo dos Ferroviários do Entroncamento?
A Câmara Municipal do Entroncamento deliberou recentemente encetar o processo com vista à demolição de todo aquele conjunto anacrónico. Mas os caminhos da concretização das decisões são por vezes longos, muito longos. E a seguir, aquele espaço mesmo no centro do Entroncamento não vai ficar vazio. Haverá o retomar do calvário das obras com um novo projecto e o tempo de mais uma geração. E os comboios mesmo ali ao lado, com os transeuntes a perguntarem que Entroncamento é este que ainda não se encontrou, que não sabe conciliar o seu passado com o seu presente, que tarda em assentar uma ideia para o seu desenvolvimento.
Nesta nossa contemporaneidade pós-moderna é usual darmo-nos conta do crescimento das cidades para periferias desempoeiradas, aproveitando espaços melhor estruturados e gerando naturalmente novas centralidades. O caso mais significativo no Entroncamento é, salvo melhor opinião, toda aquela cidade nova que se está a desenvolver na envolvência do acesso norte à A23. As superfícies comerciais também têm ajudado a construir uma nova centralidade e, gradualmente, habitação e serviços vão-se complementando para criar uma das zonas mais dinâmicas da cidade.
Mas as zonas ditas históricas não podem ficar ao abandono. Há casario em ruínas, ao ponto de, para além da paisagem decrépita, se constituir um verdadeiro perigo para a saúde pública. Parece aguardar-se que a crise passe e que o Entroncamento volte a ser o eldourado da especulação imobiliária. Espera-se pela sorte grande de aparecer um empresário da construção civil que pague a peso de ouro aquele torrão. Entretanto as velhas ruínas vão-se amontoando.
A cidade não pode ser adiada. A lei estabelece incentivos para desencadear processos de reabilitação urbana e é às autarquias que cabe a responsabilidade de incentivar e agilizar esses processos. É também isso que se espera da Câmara do Entroncamento.