Falar da poesia sem a ler é como falar da música sem a ouvir. Mas falar da flora
camoniana, podendo visitar um museu botânico, ao vivo, evocativo da mesma,
pode parecer um privilégio não fosse a circunstância de existir na vila de
Constância, um caso único (?) de um Jardim-Horto que canta a obra do maior
poeta nacional.
O estudo da flora na obra camoniana tem ocupado diversos estudiosos ao longo
dos tempos, sendo de destacar nomes como os de de Faria e Sousa, Conde de
Ficalho, professor Balthazar Osório, Silva Dias e, mais recentemente, Manuela de
Azevedo, fundadora da Casa-Memória de Camões.
Evocativo da flora que habita os versos do poeta é o Jardim-Horto que em Constância
tem instalado o seu museu vivo, graças à colaboração generosa da Universidade de
Évora e muito particularmente do seu antigo Professor arquitecto-paisagista Gonçalo
Ribeiro Teles, o autor do projecto, coadjuvado que foi pelo então jovem arquitectopaisagista Carlos Correia Dias.
Há neste Jardim-Horto um sector dedicado a Macau – jardim a lembrar a dança do
dragão – que só foi possível construir-se dada a colaboração do antigo governador,
almirante Almeida e Costa. Povoado de peixes e nenúfares, o seu pavilhão lacustre
possui típicas cerâmica macaenses. O traçado é inspirado nos jardins luso-chineses
daquele território.
Para a devoção e culto a Camões, através da evocação da sua flora, contribuíram com
larga visão dos assuntos culturais – justiça seja feita – os antigos presidentes da
República Ramalho Eanes e, de certo jeito, Mário Soares. Com a instalação do Horto,
em 1990, prestava-se uma homenagem única no seu género à memória de um Poeta.
Na memória descritiva do projecto de construção do Jardim-Horto de Camões em
Constância, da Universidade de Évora enfatizava-se a singularidade deste monumento
vivo, do Ribatejo e da região de Constância, no contexto da vida e obra de Camões:
«uma inegável importância estética e sentimental, que muito contribuíram para a
formação e projecção universal do Poeta».
Na génese da criação do Jardim-Horto residiu uma ideia naturalista, a qual se
encontrara tanto no episódio da «Ilha dos amores» como em a «Lírica», pedras
basilares, alargando-se, desta feita, a visão para a época em que o Camões viveu e os
lugares que percorreu. Além do Jardim de Macau, oferece-se ao visitante no belo
auditório ao era livre, a reprodução do Planetário de Ptolomeu que, de acordo com
Pedro Mariz inspirou Poeta no canto X de «Os Lusíadas». Um painel de azulejos
descreve o percurso de Camões entre Lisboa e Macau. Reproduz-se ali o perfil dos três
continentes percorridos pelo Poeta, entre Lisboa, Goa, Macau e a foz do rio Mécon. Tem
este Jardim-Horto representadas cerca de 52 espécies botânicas referidas em «Os
Lusíadas» e na «Lírica». Jardim à moda renascentista, implantado numa atmosfera de
rara beleza, oferece ao visitante repuxos e uma cascate murmurante, um poço de traça
árabe, uma âncora do século XVIII arrancada ao Tejo e classificada pelo Museu da
Marinha. O aproveitamento da nora, do tanque e das caleiras da rega, ainda existentes
no local, permitiu, segundo os projectistas: «reabilitar uma das principais características
dos Jardins Históricos Portugueses: a captação e condução das águas devidas a
factores climáticos, aproveitadas como determinantes da estrutura estética».
O recreio, enquanto motivação de utilização do espaço, fez surgir surgir o «Terreiro»
para jogos tradicionais como a malha e o chinquilho.
A «latada», o «Miradouro» e o «Teatro Circular», este último limitando uma reprodução
do «Sistema Planetário Ptolomaico» seguido por Camões em «Os Lusíadas», segundo
o projecto, «a executar em empedrado de seixo do rio, serão elementos que justificarão
tais atitudes». Os seixos do Largo Heitor da Silveira que dá acesso ao Jardim-Horto,
enquadravam-se nesta filosofia de projecto e no aspecto medieval da zona.
Lamentavelmente e como é público, foram substituídos por um piso moderno
recentemente, o que motivou uma petição pública levada à Assembleia Municipal cujo
primeiro subscritor foi o autor de presente crónica. A petição largamente apoiada pelos
populares foi rejeitada pelos socialistas que controlam as decisões dos órgãos
autárquicos.
Em frente do Jardim-Horto, na outra margem do «rio» ( Zêzere), um pano de fundo, qual
desdobramento da vegetação que o Poeta bem podia ter admirado nas suas
passagens por Punhete? Na vila sempre se tratou o Zêzere por «rio» para o distinguir
do Tejo.
Uma esfera armilar de cerca de dois metros de diâmetro, oferta da Escola Superior de
Belas Artes de Lisboa, concepção dos escultores António Trindade e Alípio Pinto
assinala a passagem dos quinhentos anos dos Descobrimentos Portugueses, ali
mesmo, na confluência dos dois rios cantados pelo Vate (os «rios» são evocados na
famosa elegia do desterro). Mercê da tenacidade da fundadora da associação, Manuela
de Azevedo, dos subsídios da Assembleia da República, de algum apoio significativo
camarário, das ofertas de um grupo de artistas plásticos, da Fundação Calouste
Gulbenkian, das Câmaras de Lisboa, Cascais e Évora, do Jardim Tropical de Lisboa, o
Jardim-Horto nasceu. Enquanto obra de arte e ciência deveria continuar a merecer o
apoio que já teve do orçamento da Assembleia da República. A este conjunto – Casa-Memória de Camões – ruínas do castelo de Punhete onde uma outra tradição também coloca o Poeta – Jardim-Horto, junta-se o Monumento da estátua de Camões, criação
do escultor Lagoa Henriques, oferecida à associação (por proposta minha a assembleia
geral da Casa-Memória mandatou a direcção para registar na Conservatória o
monumento em nome da associação, o que não se cumpriu por motivos que julgo
políticos a não desprezar…). O monumento foi erguido com subsídios da Fundação
Calouste Gulbenkian, da população local e também da edilidade. A decisão camarária
de se construir umas retretes públicas na envolvente do monumento (decisão do então
presidente da câmara, casado com a presidente da Casa-Memória que veio substituir
Manuela de Azevedo), diz muito do respeito que ficam a dever ao Poeta, a Constância
e aos arquitectos paisagistas que quiseram salvaguardar o espaço envolvente, quanto
à estética, no projecto que consta em acta camarária.
Variadas vezes pude participar ali, no Horto, nos célebres Fóruns camonianos, onde e
parafraseando a então direcção da associação «à maneira da velha Grécia, a sombra
das vetustas oliveiras e das odoríferas laranjeiras» acolhiam a palavra dos mestres e,
porque não, da voz de Camões e das aves que ao tempo, no seu viveiro, também
evocavam os versos do Poeta – Manuela de Azevedo dixit.
A vila de Constância , terra privilegiada, formosa, é toda cheia de memórias camonianas.
Anda por aqui o espírito do Poeta: o Solar dos «Fortes Mascarenhas», de Dom
Francisco de Almeida, as ruínas do Palácio dos protectores do Poeta, os Câmaras
Coutinho, a que andam ligados os amigos de Camões, o poeta João Lopes Leitão e
Heitor da Silveira, a Casa quinhentista, as tradições que se perdem na bruma dos
tempos, Constância é Camões!
A flora do poema «Os Lusíadas» segundo Silva Dias
O Poema «Os «Lusíadas» não é uma obra de poesia narrativa, apesar da
relevância da narração histórica dos seus Cantos. Silva Dias, autor do «Portugal
de Quinhentos» parece ter ficado desapontado com o naturalismo que
encontrou em Camões. Não que esperasse encontrar no Poema camoniano
algo aparentado com a póetica de Jacques Delille , poeta francês tradutor de
Virgílio, que escapou à revolução francesa e esteve exilado. Mais descritivo do
que didático, Delille celebrou a natureza, por exemplo, na suas improvisações,
recomendando o desenvolvimento da propriedade através da introdução de
espécies estrangeiras e exóticas e da vida no campo como caminho para o
autoaperfeiçoamento. Silva Dias esperava de Camões -assim o afirma – algo
que se aproximasse do naturalismo de Petrarca. Petrarca, poeta e humanista,
do século XIV. O impacto de Petrarca na Renascença foi enorme. A sua obra
mais famosa é “Canzoniere”, uma colecção de sonetos sobre o amor e a
natureza.
Na opinião de Silva Dias a natureza, «com a sua exuberância e o seu particular,
da África Equatorial e Austral ou do Médio e Extremo Oriente», quase não têm
espaço em «Os Lusíadas» – excluídos, evidentemente, os produtos e as plantas
úteis, conclui.
O crítico reconhece em Camões a existência de largas descrições das
especiarias e das drogas (IX, 14; X, 133, 137; etc), mas contrapõe: «é pouco
menos que indigente sobre as paisagens das novas terras, as suas floras, os
seus frutos, as suas faunas, as suas gentes, os seus costumes». Admite que o
Poema de Camões contém de forma dispersa, «referências genéricas e vagas
à natureza, às criações vegetais, animais ou humanas do complexo afroasiático», logo significando que a natureza, na sua individualidade própria de paisagem e de seres, de habitat e de «cultura»… «está pouco menos que ausente».
Mais do que uma influência ou reflexo do classicismo da Renascença, para Silva
Dias, o que sucede com Camões, sucede com um Ariosto – «com a diferença,
entretanto, que o italiano não discorreu por essas terras onde o português gastou
vinte anos da sua vida». Trata-se, por outro lado – aduz – de uma questão de
mentalidade (camoniana), «com características épocais».
Silva Dias faz referência a uma certa «ideia de natureza» que os nossos
ultramarinos levariam na cabeça ao percorrerem os «novos mundos». Assunto
que diz ter sido objecto de um outro estudo seu. Essa «ideia de natureza» no
que esta tem de paisagem, de fauna, de flora, de orografia, teria levado os
portugueses, «por todo o lado por onde andaram», a possuir mais olhos, para
detectar semelhanças do que para apreender diferenças. Diz ele que «levaram
a Europa consigo, colada à própria mente». Exemplo? «É assim, que a flora da
ilha dos amores, no canto IX, é tipicamente portuguesa, como unanimemente o
reconhecem os historiadores naturalistas».
Auto-justificando-se na crítica em como há em Camões uma perspectiva
europeia, quando não, clássica, na flora, da ilha dos amores, Silva Dias cita três
estrofes sobre as flores e as ervas não utilitárias evocadas pelo Vate:
As árvores agrestes que os outeiros
Têm com frondente como enobrecidos,
Àlemos são de Alcides, e os loureiros
Do louro Deus amados e queridos,
Mirtos de Citereia, co’os pinheiros
De Cibele, por outro amor vencidos,
Está apontando o agudo Cipariso
Pera onde é posto o etéreo Paraíso.
Os dões que dá Pomona, ali Natura
Produze, diferentes nos sabores,
Sem ter necessidade de cultura,
Que sem ela se dão muito milhores:
As cerejas purpúreas na pintura;
As amoras que o nome têm de amores;
O pomo da pátria Pérsia veiu
Melhor tornado no terreno alheio.
Abre a romã, mostrando a rubicunda
Cor, com que tu, rubi, teu preço perdes:
Entre os braços do ulmeiro está a jocunda
Vide, c’uns cachos roxos e outros verdes;
E vós, se na vossa árvore fecunda,
Pêras piramidais viver quiserdes,
Entregai-vos ao dano que co’os bicos,
Em vós fazem os pássaros inicos».
(IX, 57-59).
Também assim se revela em Silva Dias a crítica sobre a perspectiva camoniana
da fruta evocada atrás, «portuguesa» e de «cultura à portuguesa»:
Oiçamos: «Toda a fruta é, como se acaba de ver, fruta portuguesa e de cultura à
portuguesa. A vinha de uva branca e a de uva preta, enforcadas nos ulmeiros; as cerejas
vermelhas; os pêssegos, as romãs, as peras, as cidras, limões e laranjas (cfr. IX, 56);
tudo se cultivava em Portugal e estava presente na ilha dos Amores em vez das frutas
exóticas».
Já noutra área, a da farmacopeia, isto é, da dita flora medicinal, Silva Dias admite
em Camões a influência de Garcia da Orta, em alguns tópicos. Garcia da Orta
era médico, autor pioneiro sobre botânica, farmacologia, medicina tropical e
antropologia.
Existem vários documentos que provam que Garcia da Orta e o nosso Poeta
eram amigos e muito próximos. Camões fora enviado para Goa como exilado.
A amizade de Garcia da Orta estabelecida com Camões, segundo um
apontamento da Ordem dos Médicos disponível, «dá indicação honrosa do seu
carácter, bem como o facto de no seu Livro se atrever a publicar um poema
escrito pelo condenado Camões, na realidade os seus primeiros versos a serem
impressos».
Regressemos ao raciocínio de Silva Dias anterior: «Passando em claro as algas
ou limos marítimos (V, 70), contam-se perto de quarenta famílias medicinais (…)
de muitas dessas plantas, sobretudo as tropicais e indianas, indicam-se com
bastante rigor as propriedades medicamentosas. Menciona a importância do
coco como antídoto contra o envenenamento (I,136), embora o suponha
erroneamente, de origem aquática. Refere, também, o «cravo negro» (IX, 14),
purificador do hálito; a cânfora (X,133), anafrodisíaca, e o sândalo anti-séptico
(X, 134); o benjoim aromático (X,135) e os aloés (X, 137), purgativo e estimulante
do apetite, etc».
No que ao saber de Camões concerne, na farmacopeia, como na história natural,
diz este seu crítico que o Poeta «permaneceu europeu e clássico, não se deixou
aliciar pela ânsia de ir além desses limites, que no seu tempo borbulhava na
Europa, ainda que em luta com o saber oficial».
Tal como a flora, em Camões, defende Silva Dias, é também fundamentalmente
clássica ou europeia, quando não até só portuguesa, a fauna d’Os Lusíadas.
Não é esse o objecto directo da presente crónica, ainda que o assunto tenha
estado presente nas pesquisas e tempo que venho dedicando a Camões.
Sem diminuir (aparentemente) a genialidade estética da obra de Camões de
«Os Lusíadas», Silva Dias declara que o saber do Poeta, anoto, «combina com
outros elementos que o definem como um intelectual integrado nas dominâncias
culturais e políticas do Portugal sebástico – um Portugal já com muita força
desde os meados dos anos quarenta quinhentistas».
Um Camões mais naturalista segundo Faria e Sousa…
Em 1988, Manuela de Azevedo, fundadora da Casa-Memória de Camões,
conseguiu levar a bom termo a publicação do «Vergel de amor», Elegia VII de
Camões, onde se podem encontrar os comentários do biógrafo e estudioso de
Camões , Manuel de Faria e Sousa em ainda umas deliciosas nota de Manuela
de Azevedo.
O volume «Rimas», de Luís de Camões, de onde a associação extrai a Elegia
VII, aparece com a adjectivação de «Príncipe de los poetas heroycos y lyricos
de Espana comentadas por Manuel de Faria y Sousa cavallero de la Orden de
Christo». Sabemos que a obra de Faria e Sousa só seria publicada, o primeiro
volume, em 1685 e o segundo, de onde se extraiu a dita elegia, em 1698. O
autor morreu em 1645. Mas já em 1598 haviam sido editadas as «Rimas»
coligidas por Estevão Lopes.
Ao longo das suas anotações à curiosa Elegia em que dá, sobretudo, o
significado das plantas citadas por Luís de Camões, várias vezes Manuel de
Faria e Sousa alude ao «Vergel de amor», título que explica Manuela de
Azevedo, «o Poeta teria utilizado num manuscrito que lhe fora facultado mas
que, infelizmente, não disse como poderia mais alguém consultar».
Não obstante a existência noutra poesia de referências a outras espécies da
flora portuguesa e oriental, esclarece a direcção associativa de então,
«escolhemos o Vergel de amor para esta edição, por nos parecer que, só por si,
ele justificaria a criação de um Jardim-Horto consagrado à memória do Poeta».
Nesta edição de Constância, é realçado o humanista Luís de Camões, a par da
forte contribuição de Portugal para o Renascimento, com os descobrimentos, a
revelação ao mundo das novas culturas, novos costumes, «novas faunas e
novas floras». É uma visão bem diferente daquela que Silva Dias aventa na
«Biblioteca Breve». Ou, pelo menos, uma outra.
Nesta edição comentada do «Vergel de amor», comprova-se mais uma vez, uma
faceta nacionalista (?) da escritora Manuela de Azevedo: «Pode mesmo dizerse que a experiência dos portugueses, desfazendo erros sobre notícias livrescas
deformadas, era a grande contribuição de Portugal para o «vi claramente visto»,
testemunho formosíssimo que Luís de Camões ia deixar-nos só mais tarde,
quando regressasse do Oriente, com notícia e testemunhos da sua própria
experiência acumulada».
O texto do «Vergel de amor» desta edição que vimos tratando foi extraído da
bela edição que 1972 acompanhou as celebrações das primeira edição de «Os
Lusíadas» e que inclui um longo e bem estruturado estudo de Jorge de sena.
A flora de «Os Lusíadas»
Passa-se a transcrever a nota introdutória ao sub-tema, da direcção da CasaMemória de então:
«Segundo os estudos do conde de Ficalho, Luís de Camões fala em «Os
Lusíadas» de cinquenta e oito espécies da flora conhecida no seu tempo. Na
Lírica faz referência a 45 espécies que igualmente se citam num caso e noutro
no conjunto da obra, estando de umas e outras em boa parte do Jardim-Horto
de Camões. «É muito rica, quase completa, esta flora tropical do poema e
poucas são as plantas célebres pelos seus produtos que Camões deixa de
mencionar» – comenta o conde de Ficalho. Quase todas são por ele
mencionadas com a sua carga de simbologia ou significado mitológico».
Árvores citadas nesta edição da associação:
Phoenix dactylifera
Quercus róbur
Populus alba
Olea europea
Citrus aurantium
Citrus medica
Citrus limonum
Prunus avium
Prunus persica
Morus nigra
Pyrus communis
Ulmus campestris
Pinus pinea
Cupressus sempervirens
Borassus aethiopum
Gossipium spp.
Indigoferas tintctoria
Strophantus petersinaus
Antiarias toxicaria
Strychnos tieuté
Cinnamomum zeylanicum
Boswellia spp.
Piper nigrum
Areca catechu
Aquilaria agallocha
Caryophyllus aromaticus
Myrislica fragans
Driobalanops aromática
Laurus camphora
Santalum álbum
Pterocarpus santallinus
Styrax benzoin
Balsamodendron myrrha
Lodoicea seychellarum
Aloe socotrina
Coesalpinia spp.
Peltophorum linnaei
Arbustos, herbáceas e trepadeiras citados nesta edição da associação:
Delphinium ajacis
Gnaphalium sanguineum
Rosa centifólia
Triticum vulgares
Hedera hélix
Iris subbiflora
Vitis vinífera
Narcissus spp.
Adonis autumnalis
Viola odorata
Lillium candidum
Origanum majorana
Jasminum frutiucaus
A flora da lírica
Nota da direcção de então da associação:
«Embora outras espécies se pudessem juntar a estas que a seguir se referem,
aqui se deixam os nomes daquelas que mais frequentemente são citadas pelo
Poeta, em alguns casos, como atrás se disse, tanto em «Os Lusíadas« como na
obra postumamente editada, ou seja na Lírica, recolhida por Manuel de Faria y
Sousa e outros admiradores de Camões, aqui citadas, indiferentemente, pelo
nome do fruto ou da planta, em muitos casos, aliás, assim referidas pelo conde
de Ficalho».
Arbustos e herbáceas citados:
Açucena (Cecém)
Bonina
Cardo
Coentro
Cravo
Esporas
Goivo
Mirto (Murta)
Musqueta (rosa branca singela)
Murtinho
Pimenteira
Salva
Segurelha
Violeta
Algodoeiro
Girassol
Hera
Hortelã
Jacinto
Lírio
Madressilva
Manjericão
Mangerona
Maravilha
Papoula
Rosa
Rosmaninho
Salvínia
Trevo
Sarça (salsa parrilha)
Parreira (videira, etc)
Árvores
Álamo
Caneleira
Árvore do Cravo da Índia
Laranjeira
Medronheiro
Palma (Palmeira)
Pau-Brasil
Romazeira
Árvore do Sândalo
Árvore da mirra
Driobanops aromática (Canforeira)
Castanheiro
Cipo (Cipreste)
Freixo
Limoeiro
Marmeleiro
Árvore da Noz-Moscada
Pinheiro
Salgueiro
Sobreiro
Ulmeiro
Loureiro
Faria e Sousa considera o «Vergel de amor» «uma elegia de elevada inspiração.
Merecedíssima de ser lida e apreciada pelas informações que encerra».
Uma elegia que, acompanhando o significado das ervas, flores e plantas, com
tanta riqueza de citações, em alguns tercetos, chega a incluir três espécies,
explica o estudioso.
Da Elegia VII, «Vergel de amor»
(actualização ortográfica e tradução livre do espanhol do séc. XVI):
I.
Ao pé de uma faia vi sentado,
Num vale deleitoso e florido,
A Almeno Pastor triste e namorado.
Outro no Mundo pode haver nascido
Tão queixoso de Amor; porém, não tanto
Como este Amante, por amar perdido.
Já Vénus ia recolhendo o manto
Escuro com que a terra se mostrava,
Para ajudar de Almeno o triste pranto.
Apolo sobre os montes derramava
Seus dourados cabelos que faziam
Ao triste inda mais triste do que estava.
As flores por o prado se estendiam
E das que finas mais eram as cores
As brancas roxas Ninfas mais colhiam.
Faria e Sousa chama à atenção, logo no início do comentário a este parágrafo,
para o modo como o Poeta na Elegia, usa a explicação das plantas, ervas, flores,
e cores diferentes achadas no «Vergel de amor». E diz-nos «e chamou assim a
este poema, só para discorrer sobre um assunto a que muito se dão os amantes.
XIII
E vós, ovelhas minhas, sem piedade
Vos apartai de mim, se algum desejo
Tendes de ter do pasto mais vontade.
Se muita de me verdes em vós vejo,
Toda a minha de ver-vos hei perdido.
A força do poder de amor sobejo
Lograi do Tejo o plácido ruído;
Sós, lograi estas veigas florescidas,
Pois se perde o Pastor vosso querido,
Não gosteis de com ele ser perdidas.
Segundo o comentário de Faria e Sousa, «E vós, ovelhas minhas, etc», trata-se
de um remate que imita Virgílio na Égloga I.
Faria e Sousa, português, historiador e poeta, encontrou nos versos acima de
Camões o eco de «idas e vindas» às ribeiras do Tejo, quiçá, Punhete
(Constância)?
«Sem não engano, esta poesia e estes pensamentos são do tempo em que o
Poeta andava em idas e vindas, a fim de se ausentar para a Índia que foi de
alguns quatro anos. Porque no ano de 1549 se decidiu a embarcar e esteve
alistado no de 1550. E suspendendo a decisão, só partiria em 1553».
Onde alguns vêem desordem nas referências da flora em Camões, o que é
dizer-se, falta de profundidade nas questões de tratamento do dito naturalismo,
Faria e Sousa notou o fluir do génio poético (?):
«E podendo bastar que as fosse referindo como fossem ocorrendo, não fez
assim, antes, como muita ordem as vai levando ao seu intento, tal como
acontece com pensamentos amorosos e com o que por sua causa lhe havia
sucedido».
José Luz
(ex-presidente do Conselho Fiscal da Casa-Memória de Camões e ex-associado)
PS – não uso o dito AOLP. Breve nota sobre nome «Pomonas camonianas», feira dita
quinhentista de evocação do tempo de Camões. Quando Manuela de Azevedo propôs
a realização dessa iniciativa, alguém na Câmara Municipal de Constância avançou com
o nome de «Pomonas camonianas». Várias vezes entrevistei Manuela de Azevedo que
me explicou «ser um erro», pois a palavra «Pomona» não tem plural. Pomona, deusa
da abundância dos frutos, apaixonou-se por Vertumno, deus dos jardins e dos pomares
(Metamorfoses de Ovídio). Não há na obra de Camões, na mitologia, mais do que uma
deusa Pomona. Quanto à hipótese de «Pomona» ser uma «ninfa» e daí, nada obstar a
um eventual plural «Pomonas»? Francamente, não conheço nenhum autor consagrado
que alguma vez tenha defendido essa teoria. Camões, na Invocação de «Os Lusíadas
(Canto I, estâncias, 4 e 5), fala das «Tágides» como «ninfas do Tejo». Segundo a
infopédia trata-se de um neologismo, criado anteriormente por André de Resende (em
1545, numa anotação ao seu poema Vincentius) e que o Épico utiliza para que o ajudem
na organização do poema. Na mitologia grega havia as Hamadríades (e Dríades) que
são protectoras das árvores. «Pomonas»??? Ainda por cima «camonianas»???
Camões compara-se a Ovídio na elegia do desterro. Dizem que foi Ovídio que criou o
mito de Pomona… Para mim, salvo argumentos que desconheço, a designação
«Pomonas camonianas» é um erro de palmatória. Duplamente. Por que não : «Pomona
camoniana»? A feira «Pomona camoniana». Feito!
Referências bibliográficas desta crónica
Associação Para a Reconstrução e Instalação da Casa-Memória de Camões em
Constância. (1986). «Memórias de Camões em Constância». Fundação Calouste
Gulbenkian. Lisboa.
Representação digital – Crónica científica – Camões naturalista – Museu da Presidência
da República – Archeevo.pdf
«Vergel de amor». Elegia de Luís de Camões, comentada por Manuel de Faria y Sousa.
Co-edição da Associação Para a Reconstrução e Instalação da Casa-Memória de
Camões e Constância e do Instituto Cultural de Macau. (1988).
Silva Dias J.S.. (1988). «Camões no Portugal de Quinhentos». Biblioteca Breve –
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa. 2ª edição. Lisboa.
G_DA_ORTA.pdf (ordemdosmedicos.pt)
Ninfas (mitologia) – Infopédia (infopedia.pt)
Vertumno e Pomona – Museu Calouste Gulbenkian .